Pneumatoceles em crianças: relato de caso






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Resumo

As pneumatoceles geralmente são seqüelas de pneumonia bacteriana, onde o agente causador de maior incidência é o Estafilococos aureus. Estas pneumatoceles são formações císticas, onde em seu interior há presença de ar, não possuindo paredes próprias e sendo circundadas por pleura visceral e parênquima colabado. Elas podem evoluir de maneira rápida e ocupar um pulmão inteiro, desaparecendo rapidamente por completo, sem deixar seqüelas clínicas ou radiológicas. Em alguns casos pode haver, quando não tratadas, ruptura da pleura visceral com pneumotórax e empiema pleural. Essas complicações são graves e exigem cuidados especiais do Pediatra e Fisioterapeuta.

Palavras-Chave: Pneumonia, Pneumatocele e Estafilococos aureus.

Introdução

A pneumonia é uma inflamação do parênquima pulmonar, causada por infecções das vias respiratórias inferiores, comprometendo alvéolos, bronquíolos e espaço intersticial (5). A infecção bacteriana que leva a pneumonia torna-se rapidamente progressiva evoluindo com complicações.

A ocorrência de complicações varia conforme o agente etiológico, no caso do Staphylococcus aureus (S. aureus), é bem mais freqüente o aparecimento de derrame pleural (50%), pneumatocele (30%), abscesso pulmonar (6%) e comprometimento da pleura: pneumotórax, empiema ou piopneumotórax (3;12).

As pneumatoceles são cavidades cheias de ar, sem paredes próprias, circundadas por pleura visceral e parênquima colabado (8;9), podendo estar presentes no início ou no decorrer do processo ou então aparecer evolutivamente, de maneira rápida. As pneumatoceles podem tornar-se muito grandes e inclusive ocupar um pulmão inteiro, desaparecendo espontaneamente por completo, em média, após um a seis meses. Sua característica radiológica consiste em mudanças súbitas de forma e tamanho em exames sucessivos.

Este artigo traz um relato de caso, levantamentos bibliográficos, demonstrações da fisiopatologia, sua evolução e possíveis complicações da pneumatocele.

Relato de caso

Paciente de 1 ano e 8 meses de idade, sexo feminino, deu entrada no hospital com história de tosse produtiva (secreção amarelada) e dispnéia há 1 semana. A mãe referiu que há 6 dias a criança apresentava saída de secreção purulenta dos dois ouvidos, sendo então medicada com amoxacilina, também apresentava quadros de febre (38ºC e 39ºC) diários. Com a piora do quadro, a mãe procurou serviço médico, sendo orientada a utilizar sintomáticos. Pela persistência do quadro, voltou a procurar o serviço médico, onde utilizou despacilina (1 dose) e solbutamol. Não resolvendo o quadro clínico, a mãe voltou ao serviço médico onde então foi solicitada a internação. No primeiro dia de internação o exame clínico era regular estado geral (REG), pálida, taquidispneica, com ausculta pulmonar: murmúrio vesicular diminuído em base do hemitórax direito e respirações soprosa e broncofonica. Feito raio-x de tórax constatou-se Pneumonia, linha de Derrame Pleural e Pneumatocele em hemitórax direito. Foi optado pelos médicos, punção de tórax em linha axilar posterior com agulha, com saída de ar [mais ou menos 20 militros (ml)], sem saída de líquidos. LMMS fazia uso de clorafenicol [100 miligrama (mg) por kilograma (kg) ao dia], oxacilina (200mg/Kg/dia), cateter de oxigênio, inalação com soro fisiológico, berotec e atrovent e começava com tratamento fisioterapêutico (manobras de higiene brônquica associada à drenagem postural e estimulo de fúrcula onde apresentava tosse produtiva com deglutição). No 5º dia de internação a criança foi encaminhada à cirurgia para colocação de dreno de tórax à direita onde este oscilava pouco, porém sem débito. Após, este dia o dreno apresentava-se sem oscilação e sem débito. No 11º dia de internação e 6º pós-operatório de cirurgia para colocação de dreno torácico, era feito a retirada do dreno de tórax. O RX mostrava pneumatocele á direita com extensão no parênquima, havendo assim um aumento no tamanho da pneumatocele. No 13º dia de internação, foram trocados Oxacilina por Targocid 10mg/Kg e Cloranfenicol por Rocefin 1 grama 1 vez ao dia, os dois intramuscular. No 14º de internação, ao exame clínico em bom estado geral (BEG), eupneica, respirando espontaneamente em ar ambiente. À ausculta pulmonar murmúrio vesicular presente diminuído em base de hemitórax direito com roncos esparsos, porém já mostrava melhora radiológica. No 17º dia de internação, a ausculta pulmonar apresentava-se com murmúrio vesicular presente sem ruídos adventícios. Mantendo o quadro clínico bom, a criança teve alta hospitalar e voltando posteriormente para novo controle de RX, devido a presença de pneumatocele.

Discussão

O estafilococo atinge o pulmão, a partir da parte superior do aparelho respiratório, pela via traqueobrônquica (1). Ao alcançar brônquios ou bronquíolos, produz lesão na parede brônquica, formando microabscessos. A drenagem espontânea destes microabscessos pode ocorrer para dentro de um brônquio, vaso, pleura ou parênquima. Desta forma, ocorrerá múltiplos focos no pulmão. Se a lesão for de brônquio ou parede bronquiolar, através de mecanismo valvular, o ar pode entrar no interstício pulmonar e dissecar as estruturas frouxas, até atingir o espaço subpleural. (O mecanismo valvular permite a entrada de ar na pneumatocele, mas impede seu retorno). Tal condição gera cavidade cheia de ar, denominada pneumatocele (8;7;5).

Em outras palavras, o estafilococo graças às suas enzimas e toxinas tem capacidade de disseminar-se tão rapidamente através dos tecidos vizinhos, como de provocar necrose. Após atravessar a parede do bronquíolo terminal, o germe produz um microabscesso peribronquiolar, que mais cedo ou mais tarde perfura o bronquíolo e nele esvazia seu conteúdo, enchendo-o de ar. O orifício bronquiolar funciona como uma válvula, insuflando os espaços aéreos e transformando-os em vesículas com aspectos de grandes imagens aéreas, conhecidas como pneumatoceles (12).

Evolução e Complicação

As pneumatoceles podem ser observadas durante a evolução das pneumonias agudas, principalmente de origem estafilocócica, embora possam ser vistas associadas a qualquer agente etiológico (4;6).

Segundo Shen (13), as pneumatoceles aparecem normalmente na primeira semana de pneumonia e desaparecem no prazo de 6 semanas.

As pneumatoceles evoluem lenta e favoravelmente, podendo atingir grandes tamanhos em poucas horas e inclusive ocupar um pulmão inteiro, persistindo por tempo prolongado ou desaparecendo rapidamente (desde que seja desfeito o mecanismo valvular) por completo, em média um a quatro meses. A recuperação da função pulmonar é total após o desaparecimento das pneumatoceles, não deixando seqüelas clínicas ou radiológicas (14; 8; 13).

Silva (6), relata que a dimensão das pneumatoceles pode ser considerável e sua evolução deve ser acompanhada até completa resolução, que pode estender-se até por 6 a 12 meses.

Embora elas sejam assintomáticas, quando instaladas podem aumentar consideravelmente e comprimir o pulmão, causando insuficiência respiratória e complicação cardiovascular (4;10).

Lima (7), explica que as cavidades (pneumatoceles) tendem a confluir formando lesões que podem ganhar a pleura causando o empiema (coleções purulenta entre os folhetos pleurais), pneumotórax (ar entre os folhetos pleurais) ou piopneumotórax (ar e pus no espaço pleural), ocorrendo concomitantemente colapso pulmonar parcial ou total, acompanhado de desvio de mediastino, para o lado sadio, nos processos hipertensivos.

Há casos em que podem ocorrer exsudato purulento (abscesso pulmonar) pela forte tendência supurativa do processo. A ruptura de um pequeno abscesso subpleural pode resultar em piopneumotórax, que por sua vez pode provocar a erosão de um brônquio, produzindo uma fístula broncopleural (7; 10).

Evolução radiológica

Segundo Lima (7), a radiologia convencional pode-se transformar em valioso aliado para a proposta terapêutica ou para a indicação de internação do paciente.

A radiografia de tórax é o exame mais freqüentemente usado no diagnóstico e acompanhamento das pneumatoceles, podendo estas ser únicas ou múltiplas (9;6).

A pneumonia estafilocócica quando produz danos intensos no pulmão, tal como pneumatoceles, apresenta uma evolução radiológica muito lenta. A evolução esperada para as pneumatoceles é de aproximadamente 6 meses. Neste caso, não indicam atividade infecciosa. (11;3).

Sua característica radiológica consiste em mudanças súbitas de forma e tamanho em exames sucessivos (8). (Fig. 1 e 2)

As pneumatoceles podem atingir grandes volumes ocupando todo o hemitórax. Por conterem liquido, assumem nas radiografias aspecto de imagem hidroaérea, como um cisto de paredes finas e bem delimitadas o que as confundem radiologicamente com abscesso. Quando localizadas próximas à pleura, ao se romperem provocam pneumotórax e empiema (12).

Segundo Tarantino (12) e Behrman (2), as pneumatoceles isoladas, assintomáticas, podem permanecer durante semanas ou meses. São fáceis de reconhecer como bolhas aéreas de parede fina, rodeadas de parênquima normal. Não requerem nenhum tratamento e não impedem a alta. Apenas deve-se proceder a controle radiológico com intervalo de 1 a 2 meses.

Conclusão

As pneumatoceles fazem parte da evolução das pneumonias bacterianas não sendo consideradas como complicação das mesmas. Por serem, bolhas cheias de ar em seu interior e possuírem paredes finas tornam-se uma doença de muitos cuidados, pois podem levar a complicações, onde estas devem ser diagnosticadas pelo pediatra e assim ser tratadas. Por outro lado, pneumatoceles assintomáticas não exigem tratamentos, pois podem desaparecer sem deixar seqüelas clínicas ou radiológicas.

Referências Bibliográficas

1. Bethlem, N. Pneumologia. 4ª ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2001; 928.
2. Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Tratado de Pediatria. 16º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002; 756-757.
3. Bourroul MLM, Bricks LF, Cocozza AM. Pneumonias Agudas. In: Sucupira ACSL, Bricks LF, Kobinger MEBA, et al. Pediatria em Consultório. 4º ed. São Paulo: Sarvier, 2000;256-63.
4. Fonseca CB, Rodrigues JC. Pneumonias Agudas e Complicações. In: Reis AG., Grisi S. Manual de Pronto-socorro em Pediatria Clínica. São Paulo: Atheneu; 1998; 213-24.
5. Grisi SJEF. Pneumonias Bacterianas. in: Rosov T. Doenças Pulmonares em Pediatria- diagnóstico e tratamento. São Paulo: Atheneu, 1999; 205-13.
6. Hoffmann A, Scattolin I. Pneumonias. In: Silva LCC. Condutas em Pneumologia. Vol. 2. Rio de Janeiro: Revinter, 2001; 942-49.
7. Lima AJ. Pediatria Essencial. 5º ed. São Paulo: Atheneu, 1999; 344-46.
8. Marcondes E. Pediatria Básica. 8º ed. Vol 2. São Paulo: Sarvier, 1996.
9. Mastroti RA, Chiara NV. Clínica Cirúrgica e Urológica em Pediatria- diagnóstico e conduta. São Paulo: Robe, 1997.
10. Mcgarry T, Giosa R, Rohman M. et al. Pneumatocele formation in adult pneumonia. Chest 1987; v.92, n.4: 717-19.
11. MURAHOVSCHI J. Emergências em Pediatria. 7º edição. São Paulo: Sarvier, 1997.
12. Sant´Anna CC , Pernetta C, March MFBP. Pneumonias na Infância. In: Tarantino AB. Doenças Pulmonares. 5º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002; 251-56.
13. Shen H-N, Lu, FL, Wu, H-D, et al. Management of tension pneumatocele with high-frequency oscilatory ventilation. Chest 2002;v.121, n1: 284-86.
14. Zuhdi MK, Spear RM, Worthen H M, et al. Percutaneous catheter drainage of tension pneumatocele, secondarily infected pneumatocele, and lung abscess in children. Crit care med 1996; v.24, n.2: 330- 33.


Carine Ferreira Moya Bono - e-mail: carinemoya@yahoo.com.br

Fisioterapeuta, Graduada pelo Centro Universitário São Camilo (UNISC) – São Paulo e Especialista em Fisioterapia Intensiva pelo Hospital Santa Cruz.

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