Estupor e coma




Os níveis de actividade num cérebro normal variam constantemente e são muito diferentes entre o estado de vigília e o do sono. A actividade cerebral quando a pessoa está concentrada e reflecte é diferente da actividade de uma pessoa que está relaxada numa praia. Estes níveis diferentes são estados normais e o cérebro pode passar rapidamente de um estado de alerta para outro. Durante estados anormais de alerta (níveis alterados de consciência), o cérebro não pode passar de uma função para outra de forma adequada.

A parte do cérebro que se encontra na profundidade do tronco cerebral (Ver secção 6, capítulo 59) controla os níveis de consciência e estimula ritmicamente o cérebro para manter um estado de vigília e de alerta. Durante o estado de consciência recebe-se habitualmente informação visual pelos olhos, som pelos ouvidos, sensações tácteis pela pele, assim como estímulos de qualquer outro órgão sensorial, com o objectivo de ajustar um nível de alerta adequado. Quando este sistema ou as suas conexões para outras partes do cérebro não funcionam normalmente, as sensações recebidas não conseguem influenciar os níveis do cérebro de vigília e de alerta de maneira correcta. Nestes casos, o nível de consciência diminui. Os períodos de perturbações da consciência podem ser de curta ou de longa duração e podem abranger desde estados de confusão ligeira até uma situação de inconsciência total.

Existem vários termos médicos para descrever os níveis anormais de consciência. Nos estados de delírio e de confusão, a pessoa pode estar completamente desperta mas desorientada; por outras palavras, pode confundir os acontecimentos passados com os presentes e pode estar agitada e incapaz de interpretar e de compreender as situações de maneira correcta. (Ver secção 6, capítulo 76) O embotamento é um nível diminuído de alerta. A hipersónia é um sono excessivamente duradouro ou profundo de que alguém só pode despertar se for estimulado energicamente. (Ver secção 6, capítulo 64) O estupor é uma falta profunda de resposta caracterizada por somente se conseguir despertar a pessoa durante um período breve de tempo e só com uma estimulação enérgica e repetida, como safanões, gritos, beliscões ou picadas. O coma é um estado semelhante à anestesia ou ao sono profundo, caracterizado por não se poder despertar a pessoa. Num estado de coma profundo podem estar ausentes inclusive os reflexos de esquiva primitivos, como os que se verificam face à dor.

Causas

Muitas doenças graves, lesões ou anomalias podem afectar o cérebro e causar estupor e coma. Um breve estado de inconsciência pode ser causado por um traumatismo leve na cabeça, por convulsões ou por uma diminuição da chegada de sangue ao cérebro, como no caso de desmaios ou de um icto. Um estado de inconsciência prolongado pode ser provocado por um traumatismo na cabeça mais grave, uma encefalite, uma reacção tóxica aos medicamentos ou à ingestão intencional de sedativos ou de outras substâncias. O metabolismo do corpo que controla os valores do sal, do açúcar e de outras substâncias químicas do sangue pode também afectar a função cerebral.

Diagnóstico

A perda de consciência pode ser consequência de um problema de saúde pouco importante ou pode constituir um sintoma de uma doença grave; por conseguinte, requer sempre uma avaliação do médico. Uma perda de consciência pode ser uma urgência médica, por exemplo, quando é provocada por uma obstrução das vias respiratórias ou por uma dose alta de insulina que tenha reduzido perigosamente o valor do açúcar no sangue. Perante uma pessoa inconsciente, o pessoal do serviço de urgência tenta sempre, em primeiro lugar, afastar a possibilidade de uma situação potencialmente mortal.

Uma pessoa inconsciente representa um desafio para todo o pessoal médico. As pessoas afectadas por uma doença que possa causar a perda de consciência podem ajudar a estabelecer um diagnóstico rápido se levarem consigo uma identificação médica a esse respeito. Essas doenças são a diabetes, a epilepsia, uma arritmia cardíaca, a asma e doenças renais e hepáticas graves. Dado que uma pessoa inconsciente não pode falar, os familiares e os amigos devem proporcionar ao médico toda a informação relativamente aos medicamentos, às drogas, ao álcool ou a qualquer outra substância tóxica que tenha podido ingerir. Se tiver tomado um medicamento ou uma substância tóxica, o médico quererá ver uma amostra desta substância ou da sua embalagem.
O pessoal da urgência ou o médico verificam se as vias respiratórias não estão obstruídas e se a respiração, a pressão arterial e o pulso estão normais. Verificam também a temperatura corporal, dado que uma febre alta é um sinal de infecção e uma temperatura muito baixa pode significar que a pessoa esteve exposta ao frio durante um tempo prolongado. Examina-se a pele à procura de lesões, de sinais de injecções de droga ou de reacções alérgicas e o couro cabeludo é examinado para detectar feridas ou contusões. O médico procede também a um exame neurológico pormenorizado, embora este se efectue sem a colaboração do doente, pois ele encontra-se inconsciente.

Procura também sinais de uma lesão cerebral. Uma indicação de lesão cerebral é a respiração de Cheyne-Stokes, uma forma de respiração que alterna uma fase rápida e outra mais lenta, seguida de uma interrupção de vários segundos e posteriormente volta à fase rápida e assim sucessivamente. São também sinais de lesões cerebrais significativas as posturas inabituais, especialmente a rigidez da descerebração, na qual se observa uma contracção da mandíbula, e o pescoço, as costas, os braços e as pernas encontram-se imóveis, rígidos e esticados. Uma flacidez geral do corpo é ainda mais preocupante, dado que indica uma perda total de actividade em certas áreas importantes do sistema nervoso.

Os olhos podem também proporcionar informação importante sobre o estado do doente. O médico analisa a posição das pupilas, a sua capacidade para se mover, o seu tamanho, a reacção a uma luz intensa, a capacidade de seguir um objecto em movimento e o aspecto da retina. As pupilas de tamanho desigual podem ser um sinal de que algo exerce pressão dentro do crânio. O médico necessita de saber se habitualmente as pupilas do doente já eram de tamanho diferente ou se ele está sob medicação contra o glaucoma, o que pode modificar o tamanho das pupilas.

Os exames de laboratório podem acrescentar informação sobre as possíveis razões do estado de estupor ou de coma. As análises ao sangue medem os valores do açúcar, dos glóbulos vermelhos (à procura de anemia), dos glóbulos brancos (à procura de uma infecção), os valores do sal, do álcool (à procura de embriaguez) e a concentração de oxigénio e de anidrido carbónico. Faz-se também uma análise à urina, à procura de açúcar e de substâncias tóxicas.

Podem fazer-se outros exames, como uma tomografia axial computadorizada (TAC) ou uma ressonância magnética (RM) do crânio para excluir uma lesão cerebral ou uma hemorragia. Se o médico suspeitar de uma infecção, efectua uma punção lombar (inserção de uma agulha na coluna lombar) para extrair uma amostra do líquido cefalorraquidiano e proceder ao seu exame. Em doentes cujo estado de coma pode ser devido a um tumor ou a uma hemorragia cerebral, faz-se imediatamente uma TAC ou uma RM antes da punção lombar, para assegurar que a pressão cerebral não está elevada.

Tratamento

A alteração rápida de um estado de consciência é uma urgência médica que requer atenção e tratamentos imediatos. Para poder instaurar um tratamento eficaz é imprescindível estabelecer o diagnóstico, embora nem sempre possa fazer-se rapidamente. Até dispor dos resultados das análises específicas (para o que podem ser necessárias horas ou dias), a pessoa entra numa unidade de cuidados intensivos, onde as enfermeiras podem controlar o ritmo cardíaco, a pressão arterial, a temperatura e a concentração de oxigénio no sangue.

Muitas vezes, administra-se oxigénio imediatamente e coloca-se um cateter endovenoso para fornecer medicação rapidamente. A primeira coisa é administrar glicose, um açúcar simples, por via endovenosa, mesmo antes de receber os resultados dos exames de açúcar no sangue. Se o médico suspeita que a diminuição de consciência foi provocada por um opiáceo, pode administrar-se o antídoto naloxona enquanto se recebem os resultados das análises ao sangue e à urina. Se se suspeitar que a pessoa ingeriu algum tóxico, pode proceder-se a uma lavagem gástrica para identificar o seu conteúdo e eliminar a substância do estômago. Podem administrar-se sangue, líquidos e medicação para manter normais o ritmo cardíaco e a pressão arterial.
No caso de coma profundo, o cérebro pode estar tão lesionado que lhe seja impossível assumir funções corporais primárias, como respirar. Nessas circunstâncias pode ser necessário um ventilador (respirador artificial) para ajudar a função pulmonar.

Prognóstico

É muito difícil prever as possibilidades de recuperação de um estado de coma profundo que tenha durado mais de duas horas. As possibilidades de recuperação dependem da causa que o provocou. Se o coma é devido a uma lesão (traumatismo) da cabeça, pode alcançar-se uma recuperação importante mesmo que o coma tenha durado várias semanas (mas não mais de três meses). No caso de ter sido por paragem cardíaca ou por falta de oxigénio, é pouco provável que a recuperação seja total, sobretudo se o coma tiver durado um mês. No caso daquelas pessoas que estiveram em coma profundo ao longo de várias semanas, a família deve decidir se quer que o médico continue a manter o ventilador, a alimentação artificial e a medicação. A família deve tratar destes aspectos com o médico e mostrar-lhe qualquer documento que contenha os desejos de cuidados médicos da pessoa em coma no que respeita à sua última vontade, como um testamento ou uma delegação de poderes a esse respeito que ela tivesse redigido anteriormente.

Em certos casos, depois de um traumatismo cerebral, de uma falta de oxigénio ou de uma doença que afecte gravemente o cérebro, o doente com uma lesão cerebral grave pode entrar num estado vegetativo. Nesta situação, o doente tem padrões relativamente normais de vigília e de sono; pode respirar e deglutir espontaneamente e inclusive ter reacções de sobressalto perante ruídos fortes, mas perdeu de forma temporária ou permanente a capacidade de pensar e de agir conscientemente. A maioria das pessoas em estado vegetativo tem reflexos anormalmente exagerados, para além da rigidez e dos movimentos espasmódicos dos braços e das pernas.

O estado de cativeiro (locked-in) é uma situação pouco frequente na qual a pessoa está consciente e pode pensar, mas tem uma paralisia tão grave que só pode comunicar abrindo e fechando os olhos para responder a perguntas. Pode acontecer em casos de paralisia grave dos nervos periféricos ou em certos acidentes vasculares cerebrais agudos.

O caso mais grave de perda de consciência é o da morte cerebral. Neste estado, o cérebro perdeu todas as funções vitais de maneira permanente, incluindo a consciência e a capacidade de respirar. Sem medicação e sem um ventilador, a morte ocorre rapidamente. As definições legais mais aceites consideram a pessoa morta quando o cérebro deixou de funcionar mesmo que o coração continue a bater. Geralmente, os médicos podem declarar a morte cerebral 12 horas depois de ter corrigido todos os problemas susceptíveis de tratamento, mas sem que exista reacção por parte do cérebro (inclusive nem à dor provocada); os olhos não reagem à luz e a pessoa não respira sem o ventilador. No caso de subsistir alguma dúvida, um electroencefalograma (registo da actividade eléctrica do cérebro) mostrará que não existe qualquer função. Uma pessoa em morte cerebral, que está com ventilador artificial, pode ter ainda alguns reflexos se a medula espinhal continuar a funcionar.




Doenças associadas a uma diminuição da consciência
Problema
Possíveis consequências
Icto
Uma pessoa pode entrar em estado de coma depois de um icto, de forma súbita ou gradual, num lapso de horas.
Lesões da cabeça (contusões, feridas, pancadas), hemorragia dentro ou à volta do cérebro.
Uma pessoa pode entrar em estado de coma de maneira fulminante ou lentamente no decurso de várias horas depois de uma ferida na cabeça. O coma pode ser provocado por um ferimento no cérebro ou devido a uma hemorragia dentro do crânio (hematoma).
Infecção (meningite, encefalite, sepse).
As infecções do cérebro ou as infecções graves fora do cérebro que provocam febre elevada, subsâncias tóxicas no sangue e uma pressão arterial baixa podem perturbar a função cerebral e conduzir a um estado de coma.
Falta de oxigénio.
Uma lesão cerebral é irreversível alguns minutos depois de uma privação total de oxigénio. A falta de oxigénio acontece na maioria dos casos depois de uma paragem cardíaca e, com menos frequência, por uma doença pulmonar grave.
Inalação de grandes quantidades de monóxido de carbono (por exemplo, gases de tubo de escape de um automóvel ou de um aquecedor a gás).
O monóxido de carbono adere à hemoglobina dos glóbulos vermelhos, impedindo-os de transportar o oxigénio. Uma intoxicação grave por monóxido de carbono pode provocar um coma ou danos irreversíveis no cérebro devido à falta de oxigénio.
Crise epilética.
Por vezes, a seguir a uma crise convulsiva surge o coma; neste caso, o coma dura apenas alguns minutos.
Efeitos tóxicos de medicamentos de prescrição médica, drogas ou álcool.
A intoxicação alcoólica pode levar ao estupor ou produzir um coma, especialmente quando a concentração de álcool no sangue excede o 0.2%. Muitos fármacos de prescrição médica e também muitas drogas podem causar um coma.
Insufuciência hepática ou renal.
O com é um sinal de insuficiência hepática que indica muita gravidade, como acontece no caso de uma hepatite aguda. A insuficiência renal raramente produz um coma, dado que a diálise pode depurar o sangue.
Valores de açúcar altos e baixos no sangue.
Um valor muito baixo de açúcar no sangue (hipoglicemia) pode causar um coma. O tratamento imediato com glicose endovenosa evita uma lesão permanente do cérebro. Um valor muito alto de açúcar no sangue (hiperglicemia) pode também provocar um coma, mas muito menos frequente e menos grave do que o provocado pela hipoglicemia.
Temperatura corporal muito alta ou muito baixa.
Temperaturas muito elevadas (acima dos 41ºC ) podem lesar o cérebro e provocar um coma. A temperatura corporal abaixo dos 35ºC (hipotermia) reduz a actividade cerebral até chegar ao estupor ou ao coma.
Desmaio (síncope).
O estado de coma provocado por um desmaio dura apenas alguns segundos, a não ser que a queda provoque uma lesão na cabeça.
Perturbações psiquiátricas.
O fingimento de estar doente ou ferido, a histeria e a catatonia (uma perturbação esquizofrénica durante a qual a pessoa parece estar em estado de estupor) podem assemelhar-se a um estado de inconsciência


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