Análise da instalação do ondas curtas terapêutico e seu ambiente de aplicação




    O aparelho de ondas curtas (OC) é um recurso amplamente utilizado por fisioterapeutas, sendo uma técnica que utiliza radiação não ionizante na faixa de 27,12MHz, para converter energia eletromagnética de alta freqüência em energia térmica no corpo humano.1 A terapia é indicada para várias patologias, visando diversos efeitos, como ação antiinflamatória, analgésica, cicatricial, antiespasmódica e hiperemiante.2,3

    Foi relatado pela primeira vez o uso clínico de correntes elétricas de alta freqüência em 1890,4 porém, somente em 1929, Schiliephake, desenvolveu o método utilizado até hoje, com freqüência de 27,12 MHz,5 foi definida em um acordo internacional na Conferência de Atlantic City em 1947.3

    O aparelho de OC deve ser instalado de maneira adequada, recomendada pelo manual do fabricante, para serem obtidos os efeitos terapêuticos desejados. Foi selecionado como referência pelo presente estudo, o manual de operação KLD biosistemas equipamentos eletrônicos ltda.6

    Para o perfeito funcionamento do aparelho, o manual preconiza que não esteja próximo a fonte de calor, não fique exposto à luz solar, não esteja próximo a aparelho eletrônico, não esteja ligado a extensão, seja testado e aferido anualmente, tenha circulação de ar, possua fio terra devidamente instalado, fique longe de gás explosivo, esteja isolado e que o mobiliário seja totalmente de madeira.6

    Estudos demonstram que a permanência do profissional junto ao aparelho pode causar danos a saúde.3,7-11 O isolamento do aparelho evita a dispersão de campos elétricos e radiação eletromagnética,7,12 concentrando a energia no local a ser realizada a terapia. A dispersão do campo pode afetar outros aparelhos eletrônicos que estejam próximos,7 uma vez que o mesmo pode se propagar num raio de aproximadamente quatro metros.13 Estudos afirmam que o profissional próximo ao paciente durante a terapia está exposto a níveis de radiação acima do recomendado.15-18

    A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) elaborou diretrizes para a exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos embasados nos níveis de radiação recomendados pelo Comite Internacional de Radiação Não Ionizante (International Non-Ionizing Radiation Committee- INIRC).19

    Diante da literatura levantada e experiência clínica, o presente estudo tem por objetivo verificar se o aparelho de OC está devidamente instalado em estabelecimentos de fisioterapia, relacionando fatores de risco a fisioterapeutas e pacientes, nos ambientes de aplicação.

Materiais e métodos

Metodologia

    Foi realizado estudo descritivo, transversal, no qual fisioterapeutas que trabalhem com OC responderam a um questionário sobre a instalação do mesmo. O questionário foi elaborado de acordo com as normas de instalação do fabricante KLD biosistemas equipamentos eletrônicos ltda.6 A aplicação dos instrumentos foi realizada durante um final de semana em 6 salas de cursos de pós-graduação em fisioterapia da Universidade Gama Filho, São Paulo. Também houve sua aplicação em clínicas de fisioterapia nas cidades de Espírito Santo do Pinhal (SP) e Jacutinga (MG).

Dados investigados

    O questionário foi elaborado com 13 questões referentes à instalação, ao mobiliário e ao profissional. Quanto à instalação: se o aparelho de OC é testado e aferido anualmente, se há a circulação de ar para não haver sobreaquecimento do aparelho, se está próximo a alguma fonte de calor, se está exposto à luz solar, se possui fio terra devidamente instalado, se está próximo a algum aparelho eletrônico, se está ligado a alguma extensão, se está próximo a recepção, se possui algum tipo de isolamento, se existe gás explosivo próximo ao aparelho; quanto à mobília: como é a maca, a cadeira e a escada que são utilizadas; quanto ao profissional: se permanece junto ao paciente durante a terapia.

Questionário

    Em relação ao aparelho de Ondas Curtas (OC), responda o questionário a seguir, com um "X" nos ítens que mais se aproximam da sua realidade no trabalho:

    O nome da instituição deverá constar a fim de que não seja avaliada mais de uma vez. ESTA INFORMAÇÃO NÃO SERÁ DIVULGADA NA PESQUISA.

Nome da instituição:_____________________________________________

1- O aparelho de OC é testado e aferido anualmente?

( ) sim ( ) não

2- Há boa circulação de ar para prevenir o sobreaquecimento do equipamento?

( ) sim ( ) não

3- Está instalado próximo a alguma fonte de calor, ou recebe luz solar diretamente?

( ) sim ( ) não

4- A maca utilizada é:

( ) Totalmente de madeira

( ) De madeira, porém possui fixadores metálicos

( ) Não é de madeira

5- A cadeira é:

( ) Totalmente de madeira

( ) De madeira, porém possui fixadores metálicos

( ) Não é de madeira

6- A escadinha é:

( ) Totalmente de madeira

( ) De madeira porém possui fixadores metálicos

( ) Não é de madeira

7- Está instalado próximo a algum aparelho eletrônico?

( ) sim ( ) não

8- Possui fio terra devidamente instalado?

( ) sim ( ) não

9- Está ligado a alguma extensão?

( ) sim ( ) não

10- Quanto ao local do aparelho:

( ) Está dentro da gaiola de Faraday

( ) Está em um quarto isolado com massa baritada (a mesma utilizada em ambientes para isolamento de RX)

( ) Não tem nenhum tipo de isolamento

11- Existe algum tipo de gás explosivo próximo ao aparelho de OC?

( ) sim ( ) não

12- O aparelho OC encontra-se próximo à recepção?

( ) sim ( ) não

13- Você (fisioterapeuta) permanece junto ao paciente durante a terapia?

( ) sim ( ) não ( ) eventualmente

    O fisioterapeuta foi orientado a colocar o nome da instituição onde trabalha a fim de que a mesma não fosse avaliada mais de uma vez. Constou no cabeçalho que a identificação do estabelecimento não seria divulgada na pesquisa. Para a análise dos dados foi utilizada a distribuição de freqüências simples e percentuais.

Critérios de inclusão e exclusão

    Foi considerado critério de inclusão a aplicação do questionário a profissionais que atuem com a aplicação de diatermia por aparelhos de OC nos seus respectivos estabelecimentos profissionais. Foi considerado critério de exclusão o fato dos profissionais abordados não trabalharem com aparelhos de OC, ou a percepção de profissionais que trabalhem no mesmo ambiente, respondendo ao questionário.

Resultados

    Foram aplicados 64 questionários, dos quais 4 foram excluídos por serem da mesma instituição. De acordo com 58 questionários respondidos, foram obtidos os seguintes resultados:

Tabela I. Questões sobre ambiente específico do aparelho

Perguntas

Sim

Não

Boa circulação de ar

86%

14%

Proximidade com fonte de calor e chegada de luz solar

10%

90%

Proximidade com outro aparelho eletrônico

41%

59%

Ligação com extensão elétrica

7%

93%

Proximidade com gás explosivo

Sem resposta

95%

Proximidade com a recepção

16%

84%

 

Tabela II. Composição da mobília e nível de exposição profissional ao campo elétrico

Perguntas

Totalmente

Parcialmente

Não

Nível de Composição de madeira – Maca

29%

26%

45%

Nível de Composição de madeira – Cadeira

17%

31%

52%

Nível de Composição de madeira – Escada de dois degraus

19%

29%

52%

Proximidade do fisioterapeuta com o paciente em tratamento com OC

22%

37%

41%

 

Tabela III. Aspectos técnicos

Pergunta

Sim

Não

Não soube responder

Aferição e testagem do aparelho

53%

37%

10%

Aterramento

55%

37%

8%

 

Tabela IV. Tipo de isolamento do campo elétrico

Pergunta

Nenhum

Gaiola de Faraday

Massa Baritada

Tipo de isolamento no ambiente

83%

12%

5%

Discussão

    O manual do fabricante de OC que foi selecionado como referência para este estudo, KLD biosistemas equipamentos eletrônicos ltda,6 preconiza que para seu bom funcionamento, o aparelho deve estar instalado de acordo com as devidas normas. Foram verificadas neste estudo irregularidades que podem causar riscos à saúde do profissional e paciente. As variáveis de maior relevância obtidas neste estudo estão relacionadas ao mobiliário, isolamento e permanência do fisioterapeuta durante a terapia.

    Em relação aos dados referentes ao mobiliário como a maca utilizada, 71% encontram-se irregular, assim como 83% da cadeira utilizada e 81% da escada de dois degraus, ou seja, apresentam componentes metálicos que modificam o campo eletromagnético, alterando a área a ser tratada podendo causar danos ao paciente.15

    O isolamento do aparelho é imprescindível e tem a finalidade de obstruir a dispersão de campos elétricos e radiação eletromagnética,7,12 ou seja, o campo criado permanece no local a ser realizada a terapia. Outra função do isolamento é proteger o operador e as pessoas que possam estar próximas.8 Apenas 17% dos aparelhos estão devidamente isolados, o que demonstra risco eminente.

    O questionário avaliou a permanência do fisioterapeuta junto ao paciente durante a terapia no qual 22% permanecem juntos, 37% permanecem eventualmente, tratando de um percentual considerável, uma vez que alguns autores20,21 relataram que o tempo máximo de permanência no campo de maior intensidade deve ser de aproximadamente 8 minutos por dia numa distância de 20 a 50 cm do aparelho.

    Teixeira et al 3 avaliaram a medida de intensidade dos campos elétrico e magnético em fisioterapeutas, pacientes, cabos e eletrodos durante a terapia. Os autores verificaram uma maior intensidade destes campos próximos aos cabos condutores e eletrodos de aplicação acima do permitido pela Comissão Internacional de Proteção a Radiação Não Ionizante (ICNIRP)19 e que próximo aos equipamentos de OC existem regiões onde o operador está sujeito a receber doses elevadas de radiação, colocando em risco sua saúde.8,10,16-18

    Na Suécia foi realizado um estudo que demonstrou uma incidência maior de mortes e teratogenia em bebês nascidos de mulheres fisioterapeutas que utilizavam o recurso de OC.9 Na Irlanda um levantamento abordando fisioterapeutas com três ou mais anos de experiência demonstrou pouco conhecimento em relação às contra-indicações no uso do aparelho.10 Em estudo envolvendo clínicas-escola universitárias de fisioterapia no estado do rio de janeiro, Araújo et al observaram que apenas um dentre dez estabelecimentos visitados apresentou a gaiola de faraday como blindagem eletromagnética.22

Conclusão

    Os dados coletados nesta pesquisa demonstram a existência de irregularidades relacionadas à utilização do aparelho, seguindo como referência manual de instalação. O uso de diatermia por OC é prevê bons resultados, porém sendo utilizado inadequadamente, pode acarretar a riscos não só ao pacientes, como também ao profissional por estar exposto à radiação e demais presentes no local de aplicação.

    Diante disso, verificamos a necessidade de que órgãos competentes fiscalizem habitualmente os locais de utilização do recurso, levando também ao conhecimento dos profissionais os riscos que representam uma instalação incorreta do mesmo. Esperamos que este estudo se torne uma base de incentivo para novas diretrizes.

Referências

  1. Hayes KW. Diatermia por ondas curtas. In: Hayes KW. Manual de agentes físicos: recursos fisioterapêuticos. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. p. 41-50.

  2. Low J, Reed A. Eleroterapia explicada: princípios e prática. 3ª ed. Barueri, SP: Manole; 2001. p. 320-38.

  3. Teixeira SR, Messias IP, Masselli MR, Converso ME. Campos eletromagnéticos produzidos por equipamentos de ondas curtas usados em fisioterapia: uma avaliação em Presidente Prudente, SP. Rev Bras Fisioter 2001; 5(1):35-40.

  4. Scott S. Diatermia por ondas curtas. In: Kitchen S. Eletroterapia: prática baseada em evidências. Edição anterior intitulada eletroterapia de Clayton. 11ª. Ed. São Paulo: Manole; 2003. p. 145-63.

  5. Longo JG, Junior NF. Manual do aparelho de ondas curtas, KLD Biossistemas Equipamentos Eletrônicos Ltda; 2000. p.2.

  6. Manual de operação LM 9006 Diatermax 350p, KLD Biossistemas Equipamentos Eletronicos Ltda. p.1-3.

  7. Silva J, Souza FC, Ladeira DR, Borges FS. Análise da presença da Gaiola de Faraday nos estabelecimentos de fisioterapia na cidade de Niterói-RJ. Fisioterapia Ser 2007 Jul-Set; 2(3):1-10.

  8. Shah SG, Farrow A. Investigation of practices and procedures in the use of therapeutic diathermy: a study from the physiotherapists' health and safety perspective. Physiother Res Int 2007; 12(4):228-24.

  9. Kallen B, Malmquist G, Moritz U. Delivery outcome among physiotherapists in Sweden: is non ionising radiation a fetal hazard? Arch Environ Health 1982 Mar-Apr; 37(2):81-85.

  10. Shield N, O'Hare N, Gormley J. An evaluation of safety guidelines to restrict exposure to stray radiofrequency radiation from short-wave diathermy units. Phys Med Biol 2004; 49(13):2999-3015.

  11. Messias IA. O ambiente de trabalho e sintomas de um grupo de fisioterapeutas da cidade de Säo Paulo. [dissertação]. Säo Paulo: Universidade de São Paulo; 1999. 148 p.

  12. Szczerbinski M. A discussion of "Faraday Cage" lightning protection and application to real building structures. J Electrostat 2000 Jan; 48(2):145-54.

  13. Harrelson GL, Weber MD, Leaver-Dunn D. O uso das modalidades na reabilitação. In: Andrews R, Harrelson GL, Wilk KE. Reabilitação físicas das lesões desportivas. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p. 61-95.

  14. Gauch PR et al. Orientações a respeito das interferências sobre marcapassos cardíacos. Arq Bras Cardiol 1997; 68(2):135-42.

  15. Shields N, O'Hare N, Boyle G, Gormley J. Development and application of a quality control procedure for short-wave diathermy units. Med Biol Eng Comput 2003; 41(1):62-8.

  16. Shields N, Gormley J, O'Hare N. Short-wave diathermy: current clinical and safety practices. Physiother Res Int 2002; 7(4):191-202.

  17. Maccà I, Scapellato ML, Perini M, Virgili A, Saia B, Bartolucci GB. Occupational exposure to electromagnetic fields in physiotherapy departments. G Ital Med Lav Ergon 2002; 24(4):444-6.

  18. Li CY, Feng CK. An evaluation of radio frequency exposure from therapeutic diathermy equipment. Ind Health 1999; 37(4):465-8.

  19. ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). Diretrizes para Limitação da Exposição a Campos Elétricos, Magnéticos e Eletromagnéticos Variáveis no Tempo (até 300 Ghz).[Acesso 10 set 2009]. Disponível em: URL: www.anatel.gov.br.

  20. Anders IL, Olsen J, Svane O. Gender-specific reproductive outcome and exposure to high-frequency electromagnetic radiation among physiotherapist. Scand Work Environ Health 1991; 17:324-9.

  21. ILO-International Labour Organization. Occupational hazards from non-ionizing electromagnetic radiation occupational safety and health series. n.53, Switzerland, Geneva ILO, 1985.

  22. Araújo M, Amaral A, Barboza BB, Santos BS, Campbell FB. Análise observacional da gaiola de faraday nos ambientes de aplicação do ondas curtas em clínicas-escola de fisioterapia de universidades no estado do rio de janeiro. Fisioterapia Ser 2010 Jul-Set; 5(2):76-9.

Autores:

Maria Veridiana da Rocha Leme*

Samira Freitas Guidi*

João Irineu Wittmann**

Fernando Campbell Bordiak***

veridianaleme@ig.com.br

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