Crochetagem na Fascite plantar




Anatomicamente, a fascia refere-se a uma lâmina ou membrana de tecido conjuntivo que reveste cada músculo, órgão ou conjunto de órgãos, com função de proteção (DÂNGELO ; FATTINI, 2001; BIENFAIT, 1999). Porém, ainda segundo Bienfait (1999), foram os osteopatas que criaram o conceito de fascia como um conjunto membranoso contínuo, representando uma única unidade funcional.

A região plantar do pé é revestida por uma fascia, de forma triangular, denominada aponeurose plantar (FIELD, 2001). Esta faixa extensa de tecido conectivo insere-se proximalmente à superfície do tubérculo medial do calcâneo e distalmente às articulações metatarso-falangianas, onde se fundem aos ligamentos capsulares (PRENTICE, 2002).

Segundo Hebert et. al. (2003); a fascia plantar consiste na principal estrutura estabilizadora passiva do arco longitudinal medial do pé. Filho (2001) afirma que as funções de estabilização e suporte do pé na posição ortostática e durante a locomoção, implicam no seu apoio no solo através da região plantar. Esse apoio se dá através do triângulo de sustentação, que tem como vértices a extremidade
posterior do calcâneo e as cabeças do primeiro e quinto metatarsos. O arco plantar permite uma maior flexibilidade no apoio, assim como um maior amortecimento de impactos. Tanto na posição ortostática quanto durante a marcha, a hiperextensão dos artelhos demanda um tensionamento da fascia plantar e uma pronação do pé (BUSSIÈRES, 2002). Para Starkey ; Ryan (2001), a fascia plantar não só sustenta, como é sustentada por muitos dos músculos intrínsecos e ligamentos do pé.

A fascite plantar pode ser definida como uma afecção caracterizada pela dor na região plantar do calcâneo, que pode se estender por toda a fascia plantar. Sua manifestação é insidiosa, e sua sintomatologia é mais evidente pela manhã, ou após um período de repouso. Geralmente melhora após atividade (primeiros passos), embora em alguns casos, a dor possa persistir por todo o dia (BUSSIÈRES, 2002; HEBERT et. al., 2003; SNIDER, 2000; FILHO, 2001; ALDRIDGE, 2004). Para Hebert et. al. (2003); o aumento no quadro doloroso ao primeiro apoio matutino deve-se ao fato de que durante o sono, a inatividade dos músculos dorsiflexores promove um encurtamento da fascia plantar. O primeiro apoio provoca um estiramento brusco da aponeurose, o que provoca a dor. Segundo o mesmo autor, corridas, saltos e atividades de impacto pioram a dor. Riddle et. al. (2004) afirma que as perdas funcionais decorrentes da fascite plantar, estão relacionadas somente às atividades que envolvem corrida, e atividades profissionais e hobbies que envolvem sustentação de peso; não havendo relação com perda de amplitude de movimento (ADM) e perda de força e trofismo muscular.

Ao exame físico, é verificada marcha antálgica, com apoio sobre a parte lateral ou anterior do pé. Há palpação dolorosa da região medial do calcâneo e a dorsiflexão dos dedos exacerba os sintomas, pela distensão da fascia plantar. A dor produzida pela fascite plantar geralmente não é incapacitante, embora possa limitar algumas atividades (HAMER et. al., 2003; ALDRIGE, 2004). Pontos dolorosos na região medial da panturrilha e do tendão calcâneo podem ser encontrados, o que demonstra uma relação entre a fascite plantar e a rigidez do tendão calcâneo e musculatura posterior da perna (HEBERT et. al., 2003; HAMER et. al., 2003).

Várias podem ser as causas da fascite plantar, como distúrbios anatômicos e biomecânicos. Prentice (2002), cita a diferença entre o comprimento dos membros, a pronação excessiva da subtalar, a falta de flexibilidade do arco longitudinal e a rigidez das musculaturas da panturrilha, assim como o uso de calçados inadequados e o aumento do tamanho do passo durante a corrida. Para Cyriax ; Cyriax (2001) A fascite plantar tem início com um esforço prolongado em posição ortostática, em pacientes com encurtamento dos músculos da panturrilha e com os pés cavos. Huang et. al (2004) demonstraram em seu estudo, uma incidência maior de fascite plantar em indivíduos com pé plano flexível, que em indivíduos com arco plantar normal. Hebert et. al. (2003), afirma que tanto o pé cavo como o pé plano, são fatores pré-disponentes, assim como traumatismos de repetição, associados à intensidade, duração e freqüência da atividade, e a dureza do piso. Entretanto, segundo Peterson ; Renström (2002), embora o alongamento do arco plantar e a expansão dos dedos ocasionados pela pronação, submetam a aponeurose a um aumento de tensão; não há uma ligação explicita entre o pé plano ou o pé cavo com a fascite plantar. O fato de que aproximadamente 60% do peso corporal estejam distribuídos sobre o calcanhar, de 31 a 38% na região da cabeça dos metatarsos e somente cerca de 5% na região medial do pé (MANFIO et. al, 2001), talvez explique essa falta de relação direta com o tipo de pé. Segundo Snider (2000), a fascite plantar ocorre com mais freqüência em indivíduos obesos. Essa afirmação é corroborada pelo estudo de Ridle et. al. (2004) que demonstra uma relação estreita entre o aumento do Índice de Massa Corporal (IMC), e as manifestações clínicas da doença.

Bussières (2002) afirma que a fascite provavelmente seja um processo inflamatório ocasionado por microtraumas, que vêm a acelerar o processo de envelhecimento (degeneração) normal da aponeurose plantar. Essa assertiva corrobora com o pensamento de Herbert et al. (2003); de que as forças de tração que ocorrem durante o apoio desencadeiam o processo inflamatório, resultando em fibrose e degeneração.

A epidemiologia mostra que a maior incidência da doença se dá entre as mulheres, em sua maioria obesa e na faixa etária do climatério. Em homens, a prevalência é maior nos praticantes de esportes, especialmente os que envolvem corridas (HEBERT et. al., 2003; SNIDER, 2000). Em seu estudo, Imamura ; Carvalho Jr. (1996), verificaram que das 29 pessoas estudadas, 26 eram do sexo feminino, representando 90% da amostra. Cavanagh et. al. apud Manfio et al., (2001) não encontraram em seu estudo, relação direta entre o peso corporal, e os picos de pressão plantar, o que indica que embora haja uma grande incidência em pessoas obesas, o excesso de peso não deve ser visto como um fator primário na ocorrência da fascite plantar.

Ainda em seu estudo, Bussières (2002) cita o trauma direto ou indireto, a pronação excessiva do pé, o desabamento do arco plantar, a retração do gastrocnêmio e o aumento da tensão da aponeurose plantar durante a fase de propulsão como possíveis causas da fascite plantar.

Em seu estudo, Tokars et al. (2003) demonstraram que o tipo de calçado pode ocasionar síndromes dolorosas nos pés, joelhos, quadris e coluna, o que pode estabelecer uma relação entre o uso de calçados inadequados e a fascite plantar.

O tratamento da fascite plantar é eminentemente conservador e inclui a administração de antiinflamatórios não esteróides; o uso de palmilhas de material macio para suporte do calcanhar e em alguns casos do arco longitudinal; restrição das atividades que envolvam apoio prolongado, deambulação de longa distância, saltos e corridas; exercícios para alongamento da fascia plantar, tendão calcâneo e gastrocnêmio; assim como recursos que promovam analgesia e diminuição das tensões (SNIDER, 2000; PRENTICE, 2002; HEBERT et. al.,2003). A infiltração de corticóides pode ser utilizada em casos persistentes, porém oferece o risco de atrofia e degeneração do coxim adiposo, assim como a degeneração e ruptura da fascia (BUSSIÈRES, 2002; HEBERT et. al., 2003).

A crochetagem mioaponeurótica, também conhecida como diafibrólise percutânea é uma técnica de tratamento manipulativo do aparelho locomotor, que visa combater as algias pela destruição das aderências e fibroses, através da utilização de ganchos ou "crochets", aplicados sobre a pele (BURNOTTE; DUBY, 1988; BAUMGARTH, 2003; SARAIVA et. al.,2004; BUSSIÈRES, 2004).

A técnica foi desenvolvida pelo fisioterapeuta sueco Kurt Eeckman, o qual foi assistente do Dr. James Cyriax, no período pós-segunda guerra mundial. As limitações palpatórias na execução das técnicas convencionais de terapias manuais, dentre elas a massagem profunda de Cyriax, o levaram a desenvolver uma série de ganchos, que tiveram sua forma, material e técnica de aplicação desenvolvida progressivamente.

Após ganhar notoriedade com o sucesso no tratamento da Nevralgia de Arnold, Kurt Eeckcman ensinou o método a vários colegas, dentre eles, P. Duby e J. Burnotte, que passaram a desenvolver uma abordagem menos agressiva e dolorosa, baseada nos conceito de cadeias musculares e da osteopatia (BAUMGARTH, 2003, BURNOTTE; DUBY, 1988).

Ainda segundo Baumgarth (2003); Burnotte; Duby (1988) a diafibrólise possui três efeitos básicos: o efeito mecânico, o efeito circulatório e o efeito reflexo. Suas principais indicações são as aderências consecutivas a um traumatismo ou a uma fibrose cicatricial, as algias do aparelho locomotor (inflamatórias ou não), as nevralgias em conseqüência da irritação mecânica dos nervos periféricos, e por fim, as síndromes tróficas dos membros.

Embora seja um método com poucas contra-indicações, é importante considerar a agressividade ou imperícia do terapeuta, os maus estados cutâneos e circulatórios, assim como sua aplicação direta sobre processos inflamatórios.

O gancho é constituído de aço e possui duas extremidades, com curvaturas diferentes, para um melhor contato com as diferentes estruturas e acidentes anatômicos. Cada curvatura termina em forma de espátula, que reduz a pressão exercida sobre a pele, tornando o contato pouco doloroso. A referida espátula apresenta uma convexidade na face externa, e uma superfície plana na parte interna, o que facilita sua interposição entre os planos tissulares profundos.

Segundo Baumgarth (2003); Burnotte; Duby (1988), O princípio do tratamento se baseia numa abordagem do tipo "centrípeta". Na presença de uma dor localizada num local específico, o terapeuta inicia sua busca palpatória manual das regiões afastadas (proximais e distais) do foco doloroso. Esta busca palpatória segue cadeias lesionais que estão em relação anatômica (mecânica, circulatória e neurológica) com a lesão. Esta concepção permite evitar o aumento da dor, chamado de efeito rebote, conseqüência de um tratamento exclusivamente sintomático.

A técnica da crochetagem divide-se em três fases sucessivas: Palpação digital, palpação instrumental e fibrólise. Há ainda, a técnica perióstea a drenagem.

A palpação digital consiste em uma espécie de amassamento digital, realizado com a mão esquerda, que permite um delineamento da área a ser tratada. A palpação instrumental, realizada com o gancho que melhor se adapte a estrutura a ser tratada, serve para a localização precisa das fibras conjuntivas aderentes e os corpúsculos fibrosos, e é realizada colocando-se a espátula do gancho junto ao dedo indicador da mão esquerda.

A fibrólise consiste em uma tração complementar, realizada com a mão que segura o gancho, ao final da fase de tração instrumental. Essa fase corresponde ao tempo terapêutico.

A técnica perióstea se caracteriza por uma raspagem superficial da estrutura anatômica a ser tratada, com uma associação entre a utilização do gancho e uma mobilização manual do tecido periósteo. É indicada para descolamento de áreas de inserções ligamentares e tendíneas.

A drenagem consiste no deslizamento superficial da superfície convexa do gancho maior sobre as estruturas miofasciais, a fim de promover relaxamento e aumento do aporte sanguíneo.

Embora seja um recurso manipulativo de tecidos corpóreos e, portanto, esteja no âmbito da Fisioterapia, esta técnica não é de domínio exclusivo dela. Por ser recente, existe pouca bibliografia a respeito, sendo na maioria em francês e alemão (BAUMGARTH, 2003).

O tratamento da fascite plantar, através da crochetagem, não objetiva somente o pé e a fascia plantar. A musculatura posterior da perna deve ser abordada, em função de sua ligação com a etiologia da doença (BAUMGARTH, 2004; NATIVIDADE, 2004).

O tratamento começa por um alongamento da musculatura do tríceps sural, que pode ser substituído pela fibrólise (tração), seguido de uma raspagem da fascia plantar com o bordo menor do gancho, para que ocorra uma hiperemia do tecido. Em seguida, é realizada uma drenagem, com o lado maior do gancho, sempre no sentido distal para proximal, objetivando melhorar a irrigação, através da irritação da fascia plantar. O tratamento segue no tendão calcâneo, que é tracionado com o bordo menor do gancho, objetivando diminuir a tensão causada pelo tensionamento da musculatura do tríceps sural. Por último, a musculatura do tríceps sural será ganchada com o lado maior do gancho, e em seguida será drenada no sentido distal para proximal. Após todo o procedimento com o gancho, uma nova seqüência de alongamentos pode ser realizada, a fim de melhorar a resposta do corpo ao tratamento (BAUMGARTH, 2004; NATIVIDADE, 2004).

Os resultados práticos observados na utilização da crochetagem no tratamento da fascite plantar estão de acordo com os objetivos gerais do tratamento desta afecção, por demonstrarem diminuição da tenção da musculatura posterior da perna e tendão calcâneo, bem como a diminuição do processo inflamatório na fascia plantar e analgesia (JORDÃO, 2004).

Veja o estudo completo aqui


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