Estabilização segmentar





Quando alguém efetua um movimento, os chamados músculos estabilizadores se contraem antes mesmo do movimento acontecer. Esta contração involuntária, no entanto, pode ser inibida em razão do cansaço, da presença de um trauma ou como resultado do sedentarismo do paciente. Com isso os demais músculos são sobrecarregados e provocam dor. É na reeducação desse grupo muscular que se baseia a estabilização segmentar, um conceito desenvolvido na Universidade de Queensland, na Austrália, e que vem sendo utilizado por um crescente número de fisioterapeutas no Brasil.

A estabilização segmentar é uma meta que vários métodos e conceitos sempre buscaram. Em 1986 já existiam estudos, feitos especificamente na articulação do joelho, avaliando os diferentes tipos de músculos e suas diferentes funções. O que é novo – começou em 1994 – é o embasamento científico definindo para que músculo ou grupo muscular deveríamos direcionar nossa atenção terapêutica para atingir os objetivos pretendidos.

O método de estabilização segmentar pode ser utilizado em conjunto com as outras metodologias que o fisioterapeuta dispõe para cuidar das discinesias funcionais. Este não é um método substitutivo, mas um plus metodológico, diagnóstico e terapêutico, pondera a fisioterapeuta. Os resultados obtidos com os nossos pacientes à primeira vista poderiam ser considerados satisfatórios mas pouco depois eles retornavam com os mesmos problemas clínicos. Essa recidiva e até o aparecimento de outras lesões ocultas e latentes nos preocupava. As pesquisas que dispúnhamos eram resultado de estudos com ratos e pouca coisa era feita com seres humanos. O objetivo dos Exercícios Terapêuticos Específicos (ETE) que daí surgiram foi o de preencher essa lacuna existente.

Questionada da razão da lombalgia ter sido a disfunção mais aprofundada nesses estudos, a dra. Carla Danielle justifica com uma estatística: a lombalgia atinge pelo menos 83% da população adulta. “No Brasil ela é a primeira causa de afastamento do trabalho e a terceira causa de aposentadoria por invalidez no país. É uma disfunção que atinge a população ativa, produtiva e isto incomoda a economia do país e do mundo inteiro. O investimento, em conseqüência, foi centrado neste problema. O principal objetivo era associar os estudos científicos que estavam sendo desenvolvidos na área da fisioterapia com os da medicina e os da bioengenharia em relação a biomecânica e ao funcionamento dos músculos”. Os Exercícios Terapêuticos Específicos vem sendo estudados no mundo inteiro. “Trianualmente é realizado um congresso mundial de lombalgia, tamanha é a sua incidência. No penúltimo encontro, na Áustria, a Universidade de Queensland foi a única que levou uma abordagem fisioterapêutica avançada. Na última edição, em 2001 no Canadá, esse tema foi abordado por praticamente todas as instituições”.

Diferenças e hierarquia. O que de imediato se notou é que havia um grupo muscular com características diferenciadas de outros muito próximos, com funções específicas para determinado objetivo. A coluna tem duas funções importantes. Uma delas é de sustentação. Se não houver um componente muscular que dê suporte a essa estrutura, ela começará a ter excesso de movimentos. Ao seu lado, temos grupos musculares com outras funções, de deslocamento de grandes movimentos. O que se percebeu é que em situações como dor, degeneração, trauma ou fadiga, o músculo que mais sofria alteração não era o músculo de movimento mas sim aquele mais próximo da articulação, que tinha a função de sustentação.

A abordagem vem respeitar, com embasamento científico, a hierarquia do retreinamento e reeducação muscular. Se tenho um músculo que é responsável pela sustentação e pela estabilização articular, que demonstrou uma contratividade em relação aos músculos ao lado, não devo pensar o movimento antes de adquirir a estabilização pela ação desses grupos musculares.

São três fases que esse conceito respeita. A primeira, cognitiva, é enaltecida com o paciente como um indivíduo extremamente ativo no tratamento, que assume o compromisso de realizar um trabalho de recuperação. O paciente tem que ter acesso a sua situação. É insuficiente termos apenas o diagnóstico clínico, por exemplo de uma hérnia de disco. Em uma população de 20 pessoas com a mesma hérnia de disco identificada em exame complementar, as limitações serão diferentes. Um é motorista e sente a disfunção quando se abaixa; outro é atleta e sente dor quando vai estender... Nossa preocupação não é dar ênfase a patologia, mas a disfunção. Faço parte de um grupo de fisioterapeutas que acredita que nosso papel principal é de recuperar o movimento e readquirir a melhora dos sinais e sintomas do paciente através de informações ergonômicas, ensinando-o a retreinar e usar o membro, a coluna ou o corpo inteiro de maneira favorável. E é nessa etapa que o paciente aprende a selecionar esse grupo específico de músculos, responsável pelo papel tão importante da estabilização.

Na fase seguinte, a associativa, o paciente terá a percepção do treinamento do músculo específico, agora associado ao movimento. Nesta fase ele associa outros músculos, tão importante quanto os primeiros mas com a destinação fisiológica seguindo uma hierarquia.

Finalmente ele chega a fase de automatismo. Alguns estudos verificaram a contração do músculo mais profundo abdominal, que é o transverso, comparado a outros músculos abdominais mais superficiais. Isto foi constatado em pacientes que nunca tiveram uma história de dor lombar e que nos exames complementares mostraram ter uma coluna limpa. O que se verificou, ao pedir que os pacientes fizessem determinados movimentos, é que esse músculo profundo mostrava, no eletro-miógrafo, uma atividade elétrica anterior a dos demais. O mesmo estudo realizado em pacientes com histórico de dor lombar, embora na época estivessem com pouca ou nenhuma dor, mostrava que, ao se pedir o mesmo movimento, a atividade elétrica desse músculo ocorria em conjunto com o músculo superficial. Ou seja, o que se observou foi uma perda da antecipação da atividade elétrica na musculatura profunda. Se esse músculo demonstra uma atividade elétrica antecipada, começa-se a hipotetizar que existe uma informação do sistema nervoso central ligado a esse músculo e a outros, como se fossem músculos preparatórios do movimento”.

O que se constatava é que talvez o motivo da recidiva fosse a continuidade da existência de uma ação como fator agravante, embora aparentemente se melhorasse o quadro, com o retreinamento muscular. Foi quando se começou a utilizar o ultra-som de imagem na Fisioterapia. Uma das fisioterapeutas pesquisadoras do método na Austrália era filha de pai ginecologista, possuidor de equipamento de ultra-som por imagem, que lhe permitiu a possibilidade de visualizar essa antecipação nesse equipamento. Na Austrália me qualifiquei para utilizar o ultra-som por imagem, que pretendo adquirir, para poder construir um diagnóstico funcional correto e por decorrência estabelecer uma melhor ação terapêutica".

ESV. O termo Estabilização Segmentar Vertebral define condutas terapêuticas específicas que tem como objetivo utilizar o sistema muscular para estabilização segmentar vertebral no tratamento da dor lombar aguda, crônica e recorrente. A dra. Carla Danielle relata que o conceito foi idealizado por um grupo de fisioterapeutas australianos da Universidade de Queensland baseado em diversos trabalhos científicos. Um dos mais importantes foi o da hipótese de Panjabi, herdado do nome de Mohamend Panjabi, um bioengenheiro indiano do Departamento de Ortopedia e Reabilitação da Universidade de Yale. Segundo Panjabi, a estabilidade vertebral depende da integração de três subsistemas. São eles o passivo (osteoligamentar), o ativo (musculotendíneo) e o neural ou de controle (sistema nervoso periférico e sistema nervoso central). Evidências científicas demonstraram que na presença de dor, fadiga muscular, degeneração e trauma ocorrem alterações na integridade dos sistemas, levando a perda do controle segmentar lombar e conseqüentemente a instabilidade clínica e microtraumas. Pequenas alterações na precisão do movimento causam microtraumas e a manutenção deles desencadeiam macrotraumas e dor.

Quatro estágios. Um programa de Exercícios Terapêuticos Específicos tem o objetivo de facilitar as musculaturas locais estabilizadoras de forma seletiva, enfatizando o controle intersegmentar da coluna lombar, cervical, ombro, quadril e joelhos. O tratamento objetiva a recuperação da contração conjunta e antecipada da musculatura do transverso do abdômen, multífido e fáscia tóraco-lombar, que agem como uma cinta interna, e com o diafragma e os músculos do assoalho pélvico. O tratamento se divide em quatro estágios respeitando os princípios do aprendizado motor. No primeiro são isoladas e treinadas as musculaturas da unidade interna sem carga. No segundo estágio treina-se a musculatura da unidade interna diminuindo a base de sustentação (ainda isolada mas começando a associar com movimentos dos membros). No estágio seguinte, é efetuado o controle da musculatura da unidade interna associando movimentos funcionais. Finalmente, no quarto estágio, integram-se os músculos da unidade interna e unidade externa (músculos globais) nos movimentos funcionais adicionando velocidade com funcionalidade”. Nesses procedimentos é utilizada uma unidade pressórica idealizada para estabilização segmentar e também o eletromiógrafo de superfície.

Qualquer pessoa pode se submeter ao tratamento, seja de forma preventiva ou restauradora. O tronco absorve e transmite os impactos das nossas posturas de trabalho e de descanso, portanto um mau funcionamento da articulação do ombro refletiria na coluna e vice-versa. O conceito da ESV diagnostica e trata terapeuticamente os movimentos funcionais alterados, primeiro restaurando o controle do posicionamento articular, preparando-o para receber carga e em seguida acrescentar gradativamente os processos cinético, começando dos mais simples para os mais complexos.

Embora todos os exemplos fornecidos sejam da coluna, este conceito é utilizado para toda a cinesia corporal . E todas as estratégias são utilizadas. “Para isso utilizamos sempre fundamentações científicas. Nossos programas de trabalho não são baseados apenas na patologia mas também e principalmente na disfunção que o paciente apresenta. Existe um conceito de uma fisioterapeuta norte-americana sobre os processos cinesio-patológicos, de que a má utilização do seu corpo no dia-a-dia é que gera a patologia funcional. Por exemplo, no caso da tendinite temos todos os protocolos de tratamento mas o que temos que levar em consideração é a preocupação de saber por que o paciente adquiriu essa tendinite. Não adianta adotar apenas procedimentos analgésicos mas ir mais fundo, reestruturando a postura desse paciente, reeducando-o na utilização dos seus processos cinéticos e sinérgicos.

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